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terça-feira, 24 de maio de 2011

Premio Innovare - Edição VIII - 2011



Os temas da VIII edição do Premio Innovare são: Justiça e Inclusão Social e Combate ao crime organizado. O periodo de submissão de praticas começa no dia 01 de março.

Para advogados, juizes,promotores,procuradores, em fim a todos os operadores do direito do Brasil

FAÇA SUA INSCRIÇÃO E PARTICIPE DO MAIOR PREMIO EM RECONHECIMENTO AS AÇÕES E PROJETOS SOBRE O DIREITO POSITIVADO BRASILEIRO APLICADO NA JUSTIÇA DO PAÍS.





domingo, 15 de maio de 2011

Supremo reconhece união estável homoafetiva



O Supremo Tribunal Federal decidiu, na quinta-feira (5/5/2011), equiparar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Na prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro. O reconhecimento de direitos de casais gays foi unânime.

Os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso divergiram em alguns aspectos da fundamentação da maioria dos colegas, mas também os acompanharam no ponto central. A condenação da discriminação e de atos violentos contra homossexuais também foi unânime.

Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello ressaltaram que o caráter laico do Estado impede que a moral religiosa sirva de parâmetro para limitar a liberdade das pessoas. Em seu voto, Marco Aurélio destacou o papel contramajoritário do Supremo — citou a decisão tomada em relação à Lei da Ficha Limpa — ao lembrar que as normas constitucionais de nada valeriam se fossem lidas em conformidade com a opinião pública dominante.

Já Celso de Mello afirmou que o Estado deve dispensar às uniões homoafetivas o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais. Não há razões de peso que justifiquem que esse direito não seja reconhecido, frisou o ministro. "Toda pessoa tem o direito de constituir família, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero", disse.

A interpretação do Supremo sobre a união homoafetiva reconheceu a quarta família brasileira. A Constituição prevê três enquadramentos de família. A decorrente do casamento, a família formada com a união estável e a entidade familiar monoparental (quando acontece de apenas um dos cônjuges ficar com os filhos). E, agora, a decorrente da união homoafetiva.

Ao julgar procedentes as duas ações que pediam o reconhecimento da relação entre pessoas do mesmo sexo, os ministros decidiram que a união homoafetiva deve ser considerada como uma autêntica família, com todos os seus efeitos jurídicos. Os ministros destacaram que é importante que o Congresso Nacional deixe de ser omisso em relação ao tema e regule as relações que surgirão a partir da decisão do Supremo.

O julgamento foi retomado nesta quinta-feira depois de ser suspenso na quarta, após o voto do relator das duas ações, ministro Ayres Britto. O ministro votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição para o artigo 1.723 do Código Civil. A norma define a união estável como aquela "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Pelo voto do ministro, que foi acompanhado integralmente por seis de seus colegas, deve ser excluída da interpretação da regra qualquer significado que impeça o reconhecimento de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Em voto de cerca de duas horas, o ministro frisou que a união homoafetiva não pode ser classificada como mera sociedade de fato, como se fosse um negócio mercantil.

Além de uma longa análise biológica sobre o sexo, Britto registrou que o silêncio da Constituição sobre o tema é intencional. "Tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido. A ausência de lei não é ausência de direito, até porque o direito é maior do que a lei", afirmou.

Um só afeto

O ministro Luiz Fux ressaltou que, se a homossexualidade é um traço da personalidade, caracteriza a humanidade de determinadas pessoas. "Homossexualidade não é crime. Então porque o homossexual não pode constituir uma família?", questionou Fux.

O próprio ministro respondeu a pergunta: "Por força de duas questões abominadas pela Constituição Federal, que são a intolerância e o preconceito". Segundo Fux, todos os homens são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Assim, "nada justifica que não se possa equiparar a união homoafetiva à união estável entre homem e mulher". O ministro ainda ressaltou que "se o legislador não o fez, compete ao tribunal suprir essa lacuna".

A ministra Cármen Lúcia destacou que a Constituição Federal não tolera qualquer discriminação. "Contra todas as formas de preconceitos há a Constituição Federal", disse.

O ministro Joaquim Barbosa ressaltou que cabe ao Supremo "impedir o sufocamento, o desprezo e discriminação dura e pura de grupos minoritários pela maioria estabelecida". De acordo com ele, o princípio da dignidade humana pressupõe a "noção de que todos, sem exceção, têm direito a igual consideração".

Na sessão de quarta-feira, Britto assentou que se não há lei que proíba, a conduta é lícita. De acordo com o ministro, a Constituição entrega o "empírico emprego das funções sexuais ao arbítrio das pessoas". E o Estado brasileiro veda o preconceito por orientação sexual. "As normas constitucionais não distinguem o gênero masculino e feminino", frisou Britto. Ou seja, não fazem distinção em relação a sexo. Logo, não fazem também sobre orientação sexual.

Britto disse também que união homoafetiva só seria vedada se a Constituição fosse expressa nesse sentido. "O que seria obscurantista e inútil", emendou. Segundo o ministro, a família, em sua concepção, é o núcleo doméstico, tanto faz se integrada por um casal heterossexual ou homossexual.

O ministro ainda ressaltou que não se pode alegar que os heterossexuais perdem se os casais homo afetivos ganham o direito ao reconhecimento jurídico de suas relações. Só se restringe um direito para garantir outro. Quem perde com o reconhecimento da união homo afetiva? Ninguém.

Divergências pontuais

Mesmo os ministros que divergiram do voto de Britto, o fizeram por questões pontuais. O ministro Ricardo Lewandowski, primeiro a não acompanhar integralmente o relator, reconheceu os direitos dos casais homossexuais, mas de forma um pouco mais restrita.

De acordo com o voto de Lewandowski, os homossexuais têm os mesmos direitos dos casais convencionais que vivem em união estável, exceto aqueles típicos das relações entre um homem e uma mulher.

O ministro não explicitou os direitos típicos de heterossexuais. Mas, pelo seu voto, pode-se supor que o casamento civil estaria proibido na união homoafetiva. Ele, contudo, ficou vencido.

Lewandowski também registrou que a decisão deveria valer até que o Congresso Nacional regulasse o tema. O ministro resgatou as discussões da Assembleia Nacional Constituinte em torno do parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição.

A norma diz textualmente que a união estável se dá entre homem e mulher. O ministro mostrou, a partir das discussões, que isso foi uma opção clara do legislador. De acordo com Lewandowski, a decisão do STF ocupa o espaço do Congresso Nacional. Então, o preenchimento da lacuna teria de ser provisório.

Para o ministro Gilmar Mendes, o tema em julgamento diz respeito à dignidade dos indivíduos. "A pretensão que se formula tem base nos direitos fundamentais a partir dos princípios da igualdade e da liberdade", disse. De acordo com o ministro, é necessário reconhecer os direitos de casais formados por pessoas do mesmo sexo por uma questão de dignidade humana.

Mas o ministro fez observações sobre os fundamentos da decisão do STF. Para ele, pretender regular a união homoafetiva como faria o legislador é exacerbar o papel do Supremo. "Fazermos simplesmente a equiparação pode fazer com que estejamos a equiparar situações que vão revelar diversidades", disse o ministro. Por isso, Gilmar Mendes acompanhou Britto no mérito, mas se limitou a reconhecer a existência da união homoafetiva sem se pronunciar sobre outros desdobramentos possíveis.

Peluso afirmou que "na solução da questão posta, só podem ser aplicadas as normas correspondentes que no Direito de Família se aplicam à união estável entre homem e mulher". Mas nem todas, disse o presidente do Supremo, porque não se tratam de relações idênticas, mas de equiparação.

"A partir deste julgamento, o Legislativo tem de se expor e regulamentar situações que irão surgir a partir do pronunciamento da corte. É necessário regulamentar a equiparação. Aqui se faz uma convocação para que o Congresso Nacional atue", concluiu Peluso.

Família de fato e de direito

Nas sustentações orais de quarta-feira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que a ação visa reconhecer que todas as pessoas têm os mesmos direitos de formular e perseguir seus planos de vida desde que não firam direitos de terceiros. E, para ele, o reconhecimento da união homoafetiva fortalece a família.

De acordo com Gurgel, a discriminação em relação aos casais formados por pessoas do mesmo sexo compromete a capacidade dos homossexuais de viver a plenitude de sua opção sexual. "Embaraça o exercício da liberdade e o desenvolvimento da identidade de um número expressivo de pessoas", disse.

O PGR citou dados do IBGE, de acordo com os quais há 60 mil casais homossexuais no país. "E o número é certamente maior do que o dos dados oficiais. A união entre pessoas do mesmo sexo enquadra-se no plano dos fatos", afirmou.

O advogado Luís Roberto Barroso, que representado o governo do Rio de Janeiro, subiu à tribuna para falar que a história da civilização é a história da superação do preconceito. E lembrou de casos em que homossexuais foram punidos apenas por declarar sua opção sexual. De acordo com Barroso, o Supremo deve impor o mesmo regime jurídico das uniões estáveis convencionais às relações homoafetivas. Entender diferente, sustentou, significa depreciar e dizer que o afeto delas vale menos.

"Duas pessoas que unem seu afeto não estão numa sociedade de fato, como uma barraca na feira. A analogia que se faz hoje está equivocada. Só o preconceito mais inconfessável deixará de reconhecer que a analogia é com a união estável", afirmou Barroso. O advogado também frisou que o direito das minorias não deve ser tratado necessariamente pelo processo político majoritário. Ou seja, pelo Congresso Nacional. "Mas sim por tribunais, por juízes corajosos", disse.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, também defendeu o reconhecimento das uniões homoafetivas. "O reconhecimento dessas relações é um fenômeno que extrapola a realidade brasileira e o primeiro movimento de combate à discriminação que sofrem esses casais vem do Estado, com o reconhecimento de benefícios previdenciários", afirmou.

Outros seis amici curiae defenderam as uniões homoafetivas. Contra o reconhecimento, falaram dois amici. A principal foi a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O advogado Hugo José Cysneiros, que representou os bispos, começou com argumentos pesados. "Poligâmicos, incestuosos, alegrai-vos. Afinal, vocês também procuram afeto", disse em contraponto às sustentações que pregaram que o afeto não pode ter distinção entre homossexuais e heterossexuais. "A pluralidade tem limites", afirmou Cysneiros.

Quando passou aos argumentos jurídicos, Cysneiros sustentou que "uma lacuna constitucional não pode ser confundida com não encontrar na Constituição aquilo que eu quero ler". De acordo com ele, a CNBB não entrou nos processos para "trazer seu catecismo, nem citar textos bíblicos", mas para pedir "o raciocínio, a análise, tendo como referência o texto constitucional".

Cysneiros disse que com o texto legal claro no sentido de que a "união estável se dá entre o homem e a mulher", não cabia espaço para interpretações. E concluiu dizendo que a depender do resultado do julgamento, portar uma Bíblia poderia ser considerado crime. Outros sete amici curiae foram admitidos na ação, mas não fizeram sustentações orais.

Pedido duplo

O julgamento do Supremo foi feito com base em duas ações. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A ADPF foi transformada em ADI depois que se verificou que um de seus pedidos, o reconhecimento de benefícios previdenciários para servidores do estado do Rio de Janeiro, já havia sido reconhecido em lei.

A ADI foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República com dois objetivos: declarar de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e estender os mesmos direitos dos companheiros de uniões estáveis aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

O argumento principal da ADPF transformada em ADI, proposta pelo estado do Rio de Janeiro, foi o de que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais constitucionais como igualdade e liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana. Os dois pedidos foram acolhidos,

No final do julgamento, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, comemorou o resultado. "A decisão do STF deve ser aplaudida na medida em que confere uma interpretação à Constituição compatível com os princípios da igualdade e da dignidade do ser humano. Trata-se de um fato presente na vida da sociedade brasileira e que merecia reconhecimento pelo Judiciário no sentido de garantir os direitos decorrentes de uma situação semelhante a da união estável constitucionalmente previsto", afirmou.

ADI 4.277
ADPF 132

Por Rodrigo Haidar site: http://www.concur.com.br/  - 06/05/2011



sábado, 7 de maio de 2011

Proximidade entre MP e juiz ameaça imparcialidade


Por Eduardo Tergolina Teixeira

Nada de eloqüência, de discurso preparado, pois seria dar razão à calúnia, entrando no jogo do respeito. Mas também nada de provocação, pois seria esquecer que, em certo sentido, os outros não podem julgá-lo de forma diferente daquela. É a filosofia que o obriga a comparecer perante os juízes e o torna diferente deles, é a liberdade que, ao mesmo tempo que o leva junto deles, o separa dos seus preconceitos. É o mesmo princípio que o torna universal e singular. Há uma parte de si próprio que o torna parente de todos eles – a razão – que, para eles, é invisível, que, como dizia Aristóteles, é nuvem, vazio, tagarelice. Os comentadores dizem, por vezes: foi um equívoco. Sócrates acredita na religião e na Cidade em espírito e verdade, - eles acreditavam à letra. Ele e os juízes não estavam no mesmo plano. (MERLEAU-PONTY, Maurice. Elogio da Filosofia. 5ª ed. Lisboa : Guimarães, 1998, p. 49)

Dúvidas não temos de que o homem é um ser racional. Já desde há muito o humano é pensado por meio do logos, um ser da razão, da palavra. O logos — entendido como razão — chegou a adquirir, na cultura ocidental, um peso extraordinário, hipertrofiando-se. Por Descartes — penso, logo existo; se algo meu sou, sou pensamento, ideia, razão —, o ser humano é moldado a partir do pensamento, sendo o restante meras aderências secundárias (paixões, corpo etc), aderências estas que mais viriam a atrapalhar o fundamental, a razão, meros acessórios para auxiliá-la a pôr em execução seu mister. A razão como essência humana.

O século XX significou muitos questionamentos a esse princípio. Em que medida a razão seria mesmo aquilo que define o ser humano de forma exclusiva e definitiva? Em que medida o mithos seria uma dimensão simplesmente superável pela razão?

De fato, o mito se trata de um modo simbólico de explicar as coisas. Reflete o humano à parte da razão, detém uma explicação que a razão não consegue alcançar. Com efeito, ao lidarmos com questões profundas do ser humano, a lógica se revela insuficiente. De modo claro, há uma insuficiência lógica para se explicar o humano. Nesse caso, não há como fugir da realidade simbólica como maneira de tentar esclarecer aquilo que somos, fazemos e pensamos.

A ideia de que a ciência poderia explicar tudo definitivamente cai por terra. A ideia de que a razão teria superado o mito é um ponto absolutamente questionável.

O que é a nação, o Estado, a soberania? O que é a acusação, a igualdade, a Justiça? Estamos tratando de questões as quais a razão não acompanha integralmente. E aí percebemos exsurgir a dimensão simbólica do humano. O processo de significação de tais relações, categorias e entes caros à humanidade é permeado pelo ingresso de símbolos, vendo-se o humano sempre por estes acompanhado. A cruz, a balança, a bandeira pátria, a foice e o martelo, a lua crescente, o candelabro, o muro (depositário de esperança e de lamentações), o ouvir o hino pátrio em precedência a eventos, o subir escadarias para acessar prédios institucionais, o pôr-se em pé para ouvir um veredicto, a toga, a taça, o semáforo, o silvo, logomarcas, placas, a vida humana repleta pelo simbólico. Somos simbólicos, de modo inevitável, nos relacionamos com a realidade por meio de símbolos.

Mas em que o símbolo se distinguiria do mero sinal? Em que um símbolo diferenciar-se-ia de um sinal, por exemplo, apto a condicionar o comportamento animal? Seria o símbolo, para o humano, o mesmo que o sinal, para o animal? Um mero condicionador de comportamentos? Evidentemente não. A despeito de tanto o sinal quanto o símbolo fazerem parte da linguagem, cuida-se o sinal de um elemento meramente físico, ao passo que o símbolo ostenta, além do aspecto físico, algo fundamental: um sentido.

Nesse diapasão, consignamos o pensamento de Cassirer:

“Os símbolos — no sentido próprio do termo — não podem ser reduzidos a sinais. Sinais e símbolos pertencem a duas esferas diferentes da expressão das ideias: o sinal é uma parte do mundo físico do ser; o símbolo é uma parte do mundo humano do sentido. Os sinais são ‘operadores’; os símbolos são ‘designadores’.” [i]

Dessa forma, a simbologia traz consigo a significação, inserta na linguagem — não uma linguagem de sinais, própria aos animais, mas uma linguagem provida de sentidos —, o símbolo é o elemento físico mais o sentido. O sentido, nesse passo, confere ao elemento físico uma dimensão simbólica. O mistério humano reside, precisamente, neste salto do sinal para o simbólico, do fenômeno à significação.

O humano, portanto, está aberto ao símbolo. Temos o poder de significar e de reconsiderar. O nosso mundo não é mais um mundo da natureza, mas um mundo simbólico, é um mundo do sentido. E não é demais dizer que o nosso mundo é o sentido que nós damos para o mundo.

O símbolo nos permeia, e não é diferente no mundo forense. No âmbito processual penal, quando da colheita da prova, a disposição dos postulantes nas salas de audiências, evidentemente, encontra-se repleta pelo simbólico. Que inferências poderíamos extrair do modelo utilizado majoritariamente na Justiça Brasileira? Que sentido é passado à sociedade diante da definição corriqueira que determina onde cada ator vai operar na cena instrutória? Órgãos da Acusação e da Justiça sentando-se, lado a lado, em patamar elevado, sendo, em contrapartida, reservado ao órgão da Defesa assento em nível rebaixado e daqueles apartado — não raro, além do degrau — também por uma mobília de través, impondo claros e físicos limites, determinando clara (e despropositada) separação.

A cena, sem dúvidas, é carregada de sentido. Um notório simbolismo cuja decifração nos cabe iniciar.

O fato de o Ministério Público tratar-se de fiscal da lei, guardião da ordem constitucional e democrática ou função essencial à Justiça não traz consigo automática legitimidade a albergar assento próximo a quem julga, em local diferente e distante em relação à Defesa, voz do processado. É de se salientar, também, que sua excelência institucional não resta sequer minimamente arranhada ao tomar assento ao lado da Defesa ou à frente desta (o que seria ainda mais adequado), tal não se tratando de nenhum demérito ou desprestígio.

A sociedade, percebendo a disparidade existente em tal situação e ansiando por modificar essa conjuntura, aprovou a Lei Complementar 132/2009, conferindo ao defensor público assento no mesmo plano reservado à acusação.

Trata-se, sem dúvidas, de substancial conquista, pondo fim a essa discrepância simbólica havida no âmbito do processo penal. Acusação e Defesa no mesmo plano, com idêntica voz e acesso ao julgador, consubstancia — para além do indispensável reconhecimento de paridade de armas e igualdade institucional entre Estado-acusador e Estado-defensor — prestígio ao contraditório, à ampla defesa e ao estado de inocência (direitos humanos que vão muito além do valor ostentado por qualquer instituição — criada, sobretudo e sempre, para dar-lhes guarida).

Acusação, sozinha, ao lado da Justiça revela — nesse cenário simbólico a que estamos irremediavelmente atrelados — um nada desprezível sentido. Revela uma legitimidade de julgar que não pode ser própria a quem acusa. Desde os tempos do medievo sabemos quão maléfica se mostra a confusão de tais funções, sendo de rigor que, para o bem da nação, cada vez mais consigamos vislumbrar uma nítida distinção entre as forças estatais de acusar e julgar — e também de defender. Revela, ademais, uma noção de imparcialidade que, da mesma forma, não pode ser pertencente à acusação, sob pena, inclusive, de se entender despicienda a própria figura do defensor na prova e no processo. O Ministério Público, como o faz, deve batalhar com todas as forças pela condenação quando a tanto existirem elementos. No entanto, não é pelo fato de lhe ser lícito postular a absolvição — ou mesmo não propor a ação penal — que lhe será atribuída uma condição de ente imparcial. Uma suposta imparcialidade, no caso, prejudica o mister de acusar, mister esse que se trata de inafastável outorga estatal em prol do cidadão, evitando-se, dessa forma, a vingança privada. Não há como uma mesma pessoa acusar e julgar; acusar e defender; defender e julgar.

A função de fiscalizar a observância da lei, outrossim, não se trata de ato exclusivo do Ministério Público (competindo, também, à Defensoria Pública) e, da mesma forma, não pode ser confundida com o poder de imputar. Importante destacar que é fundamental, para o Estado, que Ministério Público e Defensoria Pública fiscalizem-se mutuamente, em suas devidas esferas de atribuição. São ambas funções essenciais à Justiça, devendo o contrabalanço (a síntese, em termos hegelianos) promover a cidadania, justiça e humanidade sociais e o ideal da igualdade. É nesse passo que não se está, tão-somente, a tratar de igualdade no processo, mas de igualdade institucional, uma vez que ambas as Instituições possuem a mesma legitimidade constitucional de função essencial à Justiça, ambas devendo buscar desideratos como respeito aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos; observância e concretização dos direitos humanos; evitação da perfectibilização da vingança privada[ii].

Além do que dito, importante destacar que uma proximidade maior entre acusador e julgador compromete o próprio princípio da imparcialidade do juiz, inafastável no Estado Democrático de Direito. A inconveniência de tal proximidade, sob esse aspecto, é evidente.

A partir dessas questões, sobretudo levando-se em conta esse plano simbólico humano, é de rigor exigir-se a plena efetivação da alteração legislativa aqui trazida.

Muito se discute se, de fato, existe uma natureza humana ou essência do homem. Castoriadis diz que sim. A essência humana seria essa capacidade ou possibilidade de, ativa e positivamente – e de forma não predeterminada –, fazer existir formas outras de existência social e individual[iii]. É nesse passo que podemos perceber o crescimento e o progresso das instituições, bem como as alterações das formas como as vislumbramos.

A linguagem, para mencionado autor, está imbuída de formidável importância: por meio dela nos é revelado o atuar do imaginário social, como imaginário instituidor, a partir do qual nos são explicitadas duas dimensões: uma estritamente lógica, racional; outra imaginária, responsável pela aferição de significações imaginárias sociais que categorias como cidadania, igualdade, liberdade, fraternidade, humanidade trazem consigo. Imaginário social este que cria a própria linguagem, assim como as instituições e a forma mesma da instituição. Castoriadis assevera que devemos conceber esse imaginário social como “capacidade criativa do coletivo anônimo, que se realiza a cada vez que os seres humanos se reúnem, e assume uma figura singular, instituída para existir.”[iv]

Sedimentados tais pensamentos, não há dúvidas de que a modificação legislativa conferindo sensível alteração na disposição espacial da colheita da prova no processo penal se revela como claro agir do imaginário social, traduzindo necessidade de escuta da voz do jurisdicionado, respeito e tangibilidade à paridade de armas, prestígio ao contraditório, epifania de igualdade institucional.

No raciocínio de Castoriadis:

Dizem que a igualdade já está no Evangelho. Mas a igualdade do Evangelho, como a de Paulo, está situada lá em cima, não aqui embaixo. Nas igrejas cristãs, havia assentos confortáveis para os senhores, cadeiras para os bons burgueses da paróquia e bancos, ou mesmo nada, para os simples fiéis, seus irmãos. Estes, que já não são mais gregos ou judeus, livres ou escravos, homens ou mulheres, mas filhos de Deus perfeitamente iguais, para escutar o mesmo discurso, encontram-se sentados de maneira diferente, ou então dividem-se entre sentados e de pé. A igualdade moderna não é a igualdade do cristianismo; ela é a criação de um novo movimento histórico, que colocou a exigência de uma igualdade não no céu, mas aqui e agora.[v]

E citado pensador diz caber à política e à filosofia a função de questionar radicalmente as instituições e as significações imaginárias sociais estabelecidas[vi] — quiçá justamente com o objetivo de fazer irromper na sociedade, não só o poder de significação, mas também o de reconsideração, concebida por Cassirer, modificando, aperfeiçoando, apurando os comportamentos institucionais. Com efeito, podemos extrair tal conclusão do pensamento de Castoriadis:

É, portanto, no sócio-histórico, e por ele, que emerge e é criada esta exigência da validade de direito. Criação ontológica mais uma vez, criação de uma forma desconhecida: assim a demonstração matemática, a quase-demonstração física, o raciocínio filosófico; ou a própria instituição política, a partir do momento em que for colocada de forma a ser constantemente validada de modo refletido e deliberada pela coletividade que ela institui.[vii]

Conforme Castoriadis é, justamente, no social-histórico que surge a questão da validade de direito das instituições e, em decorrência, dos comportamentos[viii], sendo, outrossim, a política a atividade lúcida e refletida de interrogação sobre as instituições sociais, almejando, se necessário, transformá-las[ix].

Promover transformações institucionais na forma de colheita de prova, no modo como acusação e defesa assistem e participam da instrução processual penal (como ocorrido com a alteração legislativa), é valorizar — não apenas o imprescindível caráter igualitário das Instituições e no processo que deve sempre haver —, mas, também, atentar, sobremaneira, para a necessidade de, diante do estado de inocência, reverenciar-se o direito humano à liberdade, uma vez que:

Se considerarmos as significações da liberdade e da igualdade em seu rigor e sua profundidade, vemos, de início, que elas se implicam uma na outra, longe de se excluírem, como repete o discurso mistificador que circula há mais de um século.[x]

Em arremate, consigno, buscando a efetivação dessa evolução legislativa, a atualidade do pensamento de Hegel, que — na clássica tríade tese, antítese, síntese — concebeu um movimento dialético nas atividades estatais, movimento este circular e em espiral, em progresso, sempre atingindo uma forma cada vez mais elevada e aperfeiçoada. De fato, a negatividade, o pensamento contrário, é fundamental para que haja o movimento de reflexão em si: indo da dissolução ao movimento refletido, chegando, então, ao aperfeiçoamento[xi], trazendo comportamentos institucionais mais desenvolvidos e humanos.

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[i] CASSIRER, Ernst. Antropologia Filosófica. São Paulo : Mestre Jou, 1977, p. 59-60.

[ii] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal. 2ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006, p. 427.

[iii] CASTORIADIS, Cornelius. A ascensão da insignificância. As encruzilhadas do labirinto, vol. IV, São Paulo : Paz e Terra, 2002, p. 126.

[iv] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 130.

[v] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 141.

[vi] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 132.

[vii] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 135.

[viii] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 139.

[ix] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 140.

[x] CASTORIADIS, Cornelius. Op. cit., p. 141.

[xi] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. 5ª ed. Petrópolis : Vozes, 2008, p. 539.

FONTE ; www.conjur.com.br dia sexta feira dia 06/05/2011.

Comentário do Bloggeiro; Essa e outras matérias da revista eletrônica do CONJUR, que deveria ser linda não só pelos operadores do direito como também por todos os cidadãos de bem, e os políticos que legislam em matérias jurídicas do Congresso Nacional principalmente pelos Magistrados de primeira entrança no interior do País que quase sempre tem medo de contrariar os membros do Ministério Público e muitos andam a tira colo com os mesmos para baixo e para cima.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

MARCOS HENRIQUE MACHADO - DESEMBARGADOR

MARCOS HENRIQUE MACHADO


             O promotor de Justiça Marcos Henrique Machado será empossado desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso pelo quinto constitucional, na vaga reservada a membro do Ministério Público Estadual, nesta segunda-feira, 2 de maio, no Plenário 1 da Instituição, às 17 horas. O nome de Marcos Machado foi escolhido pelo governador Silval Barbosa dentre os integrantes da lista tríplice, elaborada em sessão extraordinária administrativa do Tribunal Pleno e encaminhada ao Poder Executivo pelo TJ no dia 18 de abril.

           Entre os nomes dos membros do Ministério Público Estadual que compuseram a lista tríplice, o promotor de Justiça Marcos Henrique Machado obteve a maioria dos votos. A votação foi realizada seguindo a Recomendação nº 13 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no sentido de que a lista tríplice fosse definida com base em voto aberto e fundamentado. Ao todo, 22 desembargadores compareceram à convocação do presidente do TJMT para participar da eleição.

Histórico –

            O promotor Marcos Henrique Machado nasceu no dia 6 de outubro de 1969, em Bauru (SP). Formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Araçatuba (SP/ITE), em 1991. Ingressou no Ministério Público do Estado de Mato Grosso em 21 de dezembro de 1993, para exercício do cargo na Comarca de Sorriso (1ª Entrância). Atuou ainda nas comarcas de Guiratinga, Pontes e Lacerda, Jaciara, Rondonópolis, Cáceres, Várzea Grande e em Cuiabá, onde exerce suas funções desde 11 de setembro de 2000.

Fonte : Coordenadoria de Comunicação do TJMT.em 02.05.2011.

Comentários do Bloggeiro

             Realmente foi uma escolha brilhante do Promotor Marcos Henrique Machado, homem de conduta ilibada e de notável saber jurídico, vindo de uma família também de condutas ilibadas além de ser professor de direito foi excelente e sério administrador nas funções de Secretário de Estado da Administração, Saúde e do Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso, parabéns aos jurisdicionados mato-grossenses que só terão a ganhar com a justa indicação, além do judiciário que doravante contará com um excelente e jovem julgador em seu Colendo colegiado.