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sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

DISCURSO DO SENADOR PEDRO TAQUES: CIDADÃO SUBSIDIÁRIO

Plenário do Senado Federal

Senhores Senadores, Cheguei à conclusão, depois de saber, da decisão proferida em caráter liminar pelo Min. Marco Aurélio do STF que, em nosso país, o cidadão é subsidiário. Ele é aquele que vem depois, o que só entra no jogo quando a vitória ou a derrota já estão asseguradas, o que não se senta à mesa principal ou só come quando os primeiros já tiverem se refestelado.

A decisão a que me refiro é a que diz que o ConselhoNacional de Justiça só pode fazer investigações subsidiariamente, só depois que as instâncias próprias do Judiciário já tiverem se manifestado.

Ela suspendeu os dispositivos da Resolução nº 135-CNJ, que estabelece o procedimento de apuração das denúncias de irregularidades cometidas por magistrados.

Então eu chego à conclusão que subsidiário não é o CNJ, é o cidadão brasileiro, aquele que tolamente imaginou que bandidos pudessem existir em qualquer instituição ou lugar, que acreditou que uma Emenda Constitucional pudesse ser mais forte que uma liminar e que numa verdadeira República não se pode dar preferências a alguém só porque veste uma túnica. Subsidiário, secundário, acessório, o que restou, o que ficou para depois...

Neste país que adora mudar os nomes, mas não as coisas, amante virou marido subsidiário, o roubo virou forma subsidiária de adquirir a propriedade e o Conselho que fiscaliza o Judiciário, um conclave que não pode conhecer sabe, maltratarem.

Mas não foi para dar transparência ao Poder Judiciário que fizemos a Emenda 45? Não foi porque toda a sociedade brasileira via seu Judiciário como uma corporação incompreensível e secreta?

Não foi porque muitos maus juízes usaram o dinheiro público como se fosse, subsidiariamente, deles próprios? Pois o Judiciário não se fiscalizou até agora, e o que impede que outros fiscalizem? E foi a isto que chegamos quando puseram o Conselho Nacional de Justiça como órgão do Judiciário.

Apesar de não ser órgão de controle externo, o CNJ trouxe uma 3 grande novidade: a sociedade civil está nele representada através da indicação de dois Conselheiros pelo Parlamento (um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal). A Advocacia também foi contemplada com dois representantes, do mesmo modo que o Ministério Público. Essa composição mostra que uma das características essenciais do CNJ é seu caráter misto, que integra a sociedade civil e permite a lógica de freios e contrapesos numa dimensão pouco divulgada: a possibilidade de participação dos cidadãos nos processos decisórios e na fiscalização dos agentes estatais.

Ou seja, qualquer cidadão pode fazer reclamações e apresentar denúncias à Corregedoria do CNJ relativas aos magistrados e aos serviços judiciários, conforme previsto no inciso III, § 5º do art. 103-B da Constituição. E compete ao CNJ receber e conhecer dessas reclamaçõescontra os membros do poder judiciário (inc. II, § 4º, art. 103-B CF/88).

Tamanha a importância atribuída a esse papel fiscalizador que o § 7º do mesmo artigo determina expressamente que a União criará ouvidorias de justiça nos Estados, representando o CNJ, a fim de receber diretamente as reclamações e denúncias dos cidadãos.

Isso mostra que o poder de apuração do CNJ foi previsto para ser totalmente independente em relação às Corregedorias Estaduais de Justiça, não sendo, de modo algum subsidiário a elas, mas sim concorrente.

Analisando mais profundamente, o § 4º do mesmo art. 103-B da CF/88, notamos que o caráter concorrente da competência para processar e julgar administrativamente os magistrados é um mandamento constitucional de eficácia plena, não comportando qualquer forma de limitação – especialmente se vier através de interpretação do órgão de cúpula do Judiciário, restringindo ou limitando essa competência.

Dito isso, é preciso voltar ao cerne da questão.

Dados da Corregedoria do CNJ, relativos ao biênio 2008-2009, mostram que o Conselho tem, progressivamente, conquistado a confiança da população, que cada vez mais exerce seu direito de fiscalização do Poder Judiciário. Somente no período mencionado, o número de PADs (Procedimentos Administrativo Disciplinar) abertos para apurar irregularidades na atuação dos magistrados aumentou 62,5%, enquanto que o número de sindicâncias teve crescimento de 714,29% em relação ao período anterior.

Esses números deixam claro que, mais do que uma simples discussão corporativista, o que está em jogo é a construção de uma verdadeira República no Brasil e a preservação de um importante instrumento de controle do sistema de freios e contrapesos, inscrito no modelo constitucionalmente arquitetado da separação dos poderes.

Por essas razões, é preciso dizer com todas as letras: não estando o STF acima da Constituição, qualquer decisão que iniba ou limite a competência do CNJ em apurar denúncias contra magistrados e contra os serviços judiciários é inconstitucional, não só por violar as normas do art. 103-B da Constituição, mas por ferir o princípio republicano, estruturante da ordem normativa brasileira – previsto logo no art. 1º da Carta Magna, bem como a norma do art. 60, § 4º, III, que dá status de cláusula pétrea à separação dos poderes e, vinculado à ela, ao sistema de freios e contrapesos.

Pior é o triste episódio que ontem presenciamos: a decisão liminar proferida pelo Min. Marco Aurélio, na véspera do recesso, além de esboçar uma interpretação confusa dos dispositivos constitucionais, incorre em diversos equívocos, inaceitáveis para a República:

1) Ela ignora que a Emenda Constitucional 45/2004 expressamente dispõe no § 2º do seu art. 5º que: “Até que entre em vigor o Estatuto da Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, disciplinará seu funcionamento e definirá as atribuições do Ministro-Corregedor”. Ou seja, enquanto o Poder Judiciário não exercer seu poder de iniciativa e encaminhar o novo Estatuto da Magistratura, o funcionando do CNJ e seus procedimentos podem ser regulados por meio de Resolução. É o que fez a Resolução nº 135 atacada;

2) A questão é polêmica, ganhou alcance nacional. Talvez por esse motivo, o Plenário do STF – competente para apreciar liminares em ADIns – adiou por 13 vezes sua apreciação, SEM QUE VISLUMBRASSE URGÊNCIA EM SUA ANÁLISE;

3) O Min. Marco Aurélio, em uma interpretação personalista, na véspera do recesso, deferiu a liminar, acionando o inc. V do art. 21 do Regimento Interno do STF, que prevê uma exceção à competência do Plenário, afirmando que havia urgência suficientemente caracterizada, a ponto de superar o disposto no art. 10 da Lei 9.868/99;

4) No entanto, segundo entendimento consolidado dos membros do STF, a medida de urgência monocrática em ADI apenas pode ser deferia em caso de situações irreversíveis, e que não possam esperar a apreciação do Plenário, sob pena de se tornarem imprestáveis. Nem de longe é o caso da presente liminar;

5) A decisão liminar violou, o princípio do colegiado, e impôs UM ÔNUS À REPÚBLICA A PARTIR DA VONTADE UM ÚNICO MINISTRO, QUE SE OUTORGA PODERES SUPERIORES AO DO SEU TRIBUNAL E TAMBÉM AO DE TODO O CONGRESSO NACIONAL;

6) Não há um único dispositivo constitucional que fundamente diretamente a decisão. Ao contrário, os dispositivos constitucionais afirmam que o CNJ pode receber e conhecer das reclamações contra juízes e tribunais diretamente, sem intermediários;

7) A propalada autonomia dos Tribunais não é absoluta. Dizia Aristóteles que ninguém é bom juiz de si mesmo. Por isso, a Constituição contempla a fiscalização recíproca entre os Poderes e por parte da população. A democracia exige que não haja feudos e organizações secretas que lidem com o bem público. O CNJ não é; ele não pode ser subsidiário. E se há algum proveito nesta decisão subsidiária do Ministro é mostrar que o Conselho Nacional de Justiça precisa de independência. Quem sabe se tornar órgão de controle externo, como inicialmente pensado na EC nº 45/2004. Quem sabe tenha que vir para cá, para o Congresso Nacional, para este Senado da República.

Cabe refletir se, da mesma forma como o Tribunal de Contas da União colabora com o legislativo para o exame das contas da administração, o Conselho Nacional de Justiça deve ser órgão de colaboração do Senado da República, a ele vinculado. Para que a subsidiariedade não nos afogue no pântano de tantos ímpios que ora resfolegam de satisfação com a tranquilidade que se lhes avizinha, pois “está tudo dominado” e o CNJ acaba de ser morto pelo seus próprios méritos.



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Decisão Soberana do tribunal do Júri


Não há contradição em absolver o mandante em Júri

Muita gente ficou chocada com a decisão do Tribunal do Júri no caso Josino Guimarães (mandante do assassinato do juiz Leopoldino Marques do Amaral) que, aliás, foi um dos maiores (senão, o maior) caso criminal estadual ligado a homicídio. Gostaria de fazer algumas ponderações para, com a frieza que um texto escrito demanda, poder tornar público que a aparente contradição na decisão dos jurados foi, deve ser e será um elemento normal desse tipo de julgamento.

Primeiramente, o processo afeto ao tribunal distingue-se dos demais por julgar o mais bárbaro delito classificado em nosso ordenamento jurídico – a extinção da vida de outrem, seja por homicídio, aborto, instigação ao suicídio, entre outros. E por tratar-se de vida e morte, entendeu a sociedade brasileira constitucionalizar o tema, garantindo um julgamento de ordem popular, onde um cidadão é julgado por seus semelhantes. Ou seja, a sociedade tomou para si mesma o julgamento dos acusados.

Justamente nesse ponto, convém assinalar que, constitucionalmente, o resultado de um julgamento pelo júri não pertence à técnica jurídica própria de um estudioso do Direito e sim ao senso comum da sociedade, onde os jurados representam a opinião do povo, os sentimentos da população, emocionam-se, contradizem-se, simpatizam ou antipatizam pode determinada tese apresentada. É o povo quem quer apreciar o caso, retirando dos juízes togados a jurisdição dos crimes dolosos contra a vida. Essa é uma das máximas históricas do direito criminal.

As teses apresentadas não precisam ser necessariamente jurídicas. Podem ser apenas ligadas aos fatos contemporâneos ao objeto de apreciação popular ou mesmo os supervenientes, ocorridos muito depois dos fatos investigados pelo júri. Pode o jurado se comover, se condoer, de identificar ou mesmo se revoltar em seu entendimento pessoal, íntimo e indevassável. Não tem obrigação de ser um magistrado a fundamentar tecnicamente suas decisões e sentenças; o que há é um juízo social, uma impressão, um sentimento coletivo que os sete representam naquele momento.

Portanto, o conselho de sentença acredita que Josino Guimarães foi mandante, todavia que não há provas para condená-lo por assassinato. E daí? Há que se perquirir se a contradição está na ausência de provas ou no apontamento do mando do assassinato. Pode ser que um dos jurados tenha querido afirmar que o réu não foi o mandante (errou ao votar) e, no quesito seguinte, corrigido seu entendimento para deixar assentado que não havia provas para a condenação. Isso acontece em julgamentos populares, onde o jurado não é obrigado a se justificar, reconsiderar publicamente, manifestar opinião e nem tampouco fundamentar a decisão tomada.

Quem absolveu Josino Guimarães foi a sociedade mato-grossense, é bom sublinhar. A sociedade, representada livremente por um conselho de sentença democraticamente formado pela Justiça Federal Mato-Grossense, entendeu que não há provas suficientes para impingir a segregação ou mantê-la por mais tempo. E ponto. Não havendo concordância, o órgão acusador poderá socorrer-se do recurso de apelação. Convém deixar claro que, nas hipóteses de apelação, há a de contradição da decisão com as provas dos autos e não a de contradição entre quesitos. Parece-me, portanto, ser bastante difícil reverter esta decisão popular que é constitucionalmente soberana, irretratável e imutável.

Importa deixar registrado o trabalho dos profissionais João Cunha e Waldir Caldas, excelentes profissionais. Como já disse, se o jurado emociona-se e identifica-se é o advogado o maior responsável pela absolvição. Fez-se justiça? É claro que sim. Injustiça é não julgar. Justiça não se faz apenas condenando e sim sentenciando. A decisão deve ser respeitada e considerada como vontade popular, já que é a própria Constituição da República a garantidora da liberdade de consciência do júri.

Por Eduardo Mahon  

Eduardo Mahon, é advogado em Mato Grosso e Brasília, doutorando em Direito Penal e membro da Academia Mato-Grossense de Letras.

Revista Consultor Jurídico, http://www.conjur.com.br/  -5 de dezembro de 2011


 

Opinião do Blogueiro;

Belíssimo artigo publicado pelo ilustre colega jurista Eduardo Mahon, concordo plenamente quando afirma o belo trabalho jurídico apresentado pelos nossos também ilustres colegas Waldir Caldas Rodrigues e parceiro João Cunha, principalmente quando reafirma o que nossa Constituição preconiza que é a soberania dos veredictos, in casu o júri popular oriundo do seio da nossa sociedade os verdadeiros juizes do povo.